Biografia da Autora

Camila Passatuto nasceu em 1988, na cidade de São Paulo. Autora dos livros "Nequice: Lapso na Função Supressora" (Editora Penalux, 2018) e "TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada" (Editora Penalux, 2017).

Editora do projeto editorial O Último Leitor Morreu (conheça o projeto e as publicações). Escreve desde os 11 anos e começou a atuar nos meios digitais, com blogs de poesias e participações em diversas revistas e projetos literários, em 2007.

Contato: camila.passatuto@gmail.com


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sobre Morrer.

A morte não dói. O que dói é o que a antecede.
Meu amigo, morrer não faz mal. E não chore quando se lembrar dos dias chinelos que levamos.
Morrer é verbo breve. Dura apenas alguns segundos.
Não chore minha ida. Chore a vida que levei, isso sim. Chore meus falsos sorrisos que tinham o objetivo de salvação.
A morte é dama suprema, nos liberta e é caminho de grandes oportunidades.
Morrer não é escuro.
Olhe para mim; sou alvo e desperto, depois de tudo.

Não lamente a perda. Lastime minhas dores sobre essa terra, isso sim.
Meu amigo, ir embora é ação. Não me imagine inerte no caixão.
Hoje eu sou vai e vem, sou vento, sou bater de asas. Não sou mais um corpo cansado e moreno esperando socorro.
A morte é amiga. Chega de leve, nos oferece um sorriso, elogia nossa roupa e quando notamos...  Ela já entrou sem pedir, sempre nos arrancando o riso, não é?

Meu amigo, não fale de tanta falta... Hoje estou bem mais recheado do que antes. Daqui eu posso tê-los aos montes, aos lagos, aos olhos, aos sonhos que sempre sonhei.
Morrer não é cheiro de crisântemos e madeira boa. Rosto molhado ou roupas negras.
Morrer é instante. Depois, só vida.

Meu amigo...  Entenda que quando abre a janela e sente a brisa, lá estou para mais um bom dia. Quando chega tarde e perde as chaves, lá estou... Eu rindo de seus alardes.
Morrer não é se ausentar. É estar em toda parte, esparramado do jeito que dá.
Morrer não é fim de arco-íris, é o pote de ouro enriquecendo a alma de quem bem quis.
Meu amigo, não se pergunte o que será de nossas vidas. Eu cá e você aí...
Eu aí e você cá... Talvez seja assim.

Cante nossa poesia por aí, porque morrer não é parar.
Para ti deixei meus versos e cabe a você, meu anjo terrestre, os gritar...

By Camila Passatuto

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Clepsidra

O tic tac do relógio avisa,
Eu viso terminar algum artigo.

Tudo breve para olhos secos.
Gostava de umidade quando criança.

A folha branca pedindo tinta
E o tic tac do relógio avisa.

Estamos escrevendo
Perdemos o tempo dos verdadeiros...

E os segundos
Sempre em primeiro plano para os modernos.

E o ritmo da máquina de dedilhar
Lento, lento... Lento demais.

Alguém chega e cobra o final
Mas digam a eles: Escrevemos para começar.

E o tic tac da vida lá fora
Afoga, poeta...Afoga.

By Camila Passatuto

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Manque Quelque Chose


Hoje não existe a esperança aqui.
Foi a última a me dizer adeus, foi.
Necessidade de mais alguém, não.
Deixe ir o que for para me agradar.

A regra corre assim, em dias ruins.
Não é a saudade que assola, não é.
Pisaram muito forte aqui, não dói.
O problema é que desaprendi a sentir.

Hoje não existe aquilo que um dia sorri.
Apenas quatro garrafas verdes, vazias...
Foi a última que deixei no pior dia, sim.
Não há gosto nem cheiro aqui. Suspeitos.

E corre de melancolia um licor na menina.
Os versos ficam mais largos quando penetro;
Penetro sentimentos com ou sem uniforme.
Lembro que hoje esperança não mais em mim.

E é mais um poema caduco de felicidade.
Caduco de meu penar eunuco
Triste de algo que vai e me amola,
É poema para não se ler na sua volta...

By Camila Passatuto

sábado, 11 de dezembro de 2010

Das contas não havidas

Reparei nas pernas torneadas, no sorriso amplo, nos cabelos longos...
Ela reparou no olhar, em puro descaso com o pudor, observou minha face enrubescendo após mais um gole quente de uma bebida qualquer.
Eu não quis mais olhar, ela queria mais olhares.
Acompanhou-me com seus passos curtos até a porta do bar, laçou o cós da minha calça  com os frágeis dedos.
Voltei meu corpo para aquele corpo pequeno, moreno, quente de algo que também me queimava.
Não havia som ambiente.
Apenas minha respiração... Sempre cansada.
Seu olhar brilhava, observando-me como quem venera algo grandioso.
Tudo ali era jogoso demais. Eu precisava ecoar externamente um ato que meu desejo lançava cá dentro e ela apenas precisava ficar na ponta dos pés para alcançar meus lábios...
Não havia som latente.
Só o passear de línguas, o cruzar de mãos, o magnetismo do meu com o dela.
Reparei nas pernas torneadas abraçando as minhas, no sorriso amplo censurando minhas mordidas, nos longos cabelos jogados sobre meu corpo.
Ela reparou meu tórax enrubescido por suas unhas... O relógio marcando dez horas.
Eu não quis saber quantos anos. Eu esqueceria o endereço; o nome eu guardaria para alguma poesia.
Ela abriu um uísque fuleiro. Eu enchi o copo para sanar o que do corpo esvaziou na noite passada.
E ali não havia nenhum suposto até mais.
Só restaria em mim um simples e breve conto, das contas não havidas, que passei com aquela fêmeamenina.

By Camila Passatuto

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Canto Virgem, Ewá.


Ewá, Ewá, Ewá,

Mostre aos olhos o que longe há
Para além da pedreira
Para além da virgem mata
Para onde o vento forte levar.

Quebra onda, Beira-mar
É mais para lá do além
Da lama da Nanã
Do dendê de Iansã.

Ewá, revele ao poeta
A mansidão de criar
A fertilidade de renascer
Mostre, mãe, o amor florescer.

Não vejo algo...
Nas águas claras,
Nas ervas amargas,
Rainha do oráculo.

Ewá, minha mãe,
Mostre o que os olhos
Não mais podem
Mesmo se alma morrer.

Ao fim de tudo ver,
Leve-me, minha mãe,
Ao rei das palhas,
Para descanso de tanta visão.

Ao novo tudo parecer,
Leve-me, Ewá,
Ao rei Oxumare
Para eu lá das cores, novamente tudo ver...

By Camila Passatuto