Biografia da Autora

Camila Passatuto nasceu em 1988, na cidade de São Paulo. Autora dos livros "Nequice: Lapso na Função Supressora" (Editora Penalux, 2018) e "TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada" (Editora Penalux, 2017).

Editora do projeto editorial O Último Leitor Morreu (conheça o projeto e as publicações). Escreve desde os 11 anos e começou a atuar nos meios digitais, com blogs de poesias e participações em diversas revistas e projetos literários, em 2007.

Contato: camila.passatuto@gmail.com


terça-feira, 31 de agosto de 2010

Insônia Travestida

E tudo sente sua falta.
Até o sono que foge,
Até o espelho, engole.
Insatisfeito, releio...

A obra que faço,
No meio,
Pernas.
Esqueço.

Não há o descanso,
Olhar não morre.
Noite intensa.
Dormir não pode.

Configuro paixões,
Dores e noites.
Combino tempos,
Eternos e discretos.

E tudo sente sua falta.
Até a conta que vencer,
Até as unhas por fazer.
Mel escorre lágrima.

No trabalho tudo certo,
Na ilusão eu peco.
Não permito o sono,
Culpa do teu abandono.

Hoje jogado na rua,
Lamentado, escorado.
Escrevo para mim.
Sempre foi assim...

E tudo sente sua falta.
Mas é desculpa de poeta...
Para não dizer a verdade.
Que só minh'alma chora essa louca saudade.


By Camila Passatuto

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ele/Ela

"Meu bem, o meu lugar é onde você quer que ele seja,
Não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja."
Belchior


Caminhou tão depressa que fez do caminho longo algo banal para o relógio. Estava na hora, não sabia ao certo que hora era aquela que por entre mistérios revelados escondia sua importância. Não sabia de nada, dos motivos que o moviam, das trapaças que com delicadeza sem sentir tropeçava. Que sem sentir... Amarrava.

Era um dia qualquer, com um compromisso qualquer. Abriu a porta de madeira que rangia feito uma fêmea mal devorada, sentou no sofá pouco confortável e tratou de banhar o ambiente com seu despretensioso olhar. Nada viu. Nada que o levasse ao delírio da transcendência infantil de tempos atrás.

Chega à sala quem um dia foi imã. Saia justa, uma camisa social quadriculada e os pés abraçados por um par de pares distintos de meia.

Ele a fitou discretamente, olhou como quem reprovasse aquela beleza molambenta, aquele cabelo longo e negro, aquela atmosfera de inocência ninfomaníaca em que ela sempre o envolvia. Ele, em um suspiro sem carisma, esnobou aquela breve criatura, tão breve que vivia em alta freqüência em seus pensamentos, que passava o dia todo pulando nas lembranças.

Ela carinhosamente despercebeu o esforço que ele fazia para manter no chão todos os sentimentos sórdidos, hoje chamados assim, tempos antes eram sonhos.

Ele percebeu que as horas eram desiguais para ambos.

Para ele aquele momento era o único segundo após o fim. Fim de anos, fim de intermináveis meses, fim de dias sem ela. O fim dos sonhos. Do sonho de ser dois, um, tudo, nada...

Para ela aquele momento era mais um segundo que pedia outros segundos, esse tempo que ainda falta. Tempo de espera, tempo de apostas infundadas, impensadas...

Dos desejos mal ditos, eram-se.

Ela nada tinha para falar. E ele pensava que ia escutar...uma palavra qualquer, um aviso implicante, um estilo de rompimento verbalizado e oficial.

Ela nada tinha em palavras.

Ele desejava.

Ela era seu imã, não importava a situação. Não importava o que se tornavam a cada tristeza ou esquecimento.

No ato mais solitário ele rompeu o silêncio. Rugiu o ambiente quando levantou do sofá. Ela estremeceu, pois tudo estaria prestes a acontecer. Tudo, Tudo que nem imaginava o quê.

Ele sabia que não agüentaria mais uma de suas meninices, as provocações e acusações sem nexos e arreios.

Resolveu tomar a atitude. Certas atitudes queimam. Mas estava disposto a incendiar, e quem ou o quê fosse frágil, iria virar cinza, cinza.

Ela estava disposta a gelar. O estomago já soprava os ventos nórdicos.

Ela, apenas, queria uma brisa que não ferisse a paisagem intocada do passado que, sem ele saber, ela o guardara intacto in memorian e no corpo e no quarto e na cama e nos versos que para ela eram dedicados e recitados por seus lábios toda noite, toda saudade, toda insanidade.

O ambiente daquele apartamento era de uma urbanização alarmante. Dois transeuntes prontos para se atropelarem. Uma placa de trânsito, roubada pelos dois nos tempos de amoras enlatadas, exposta um tanto torta na parede de textura um tanto grunge, é que assistia aquele quase engarrafamento de nada, de tudo.

Ele com a mão direita no bolso e a esquerda coçando a barba, parecia o mais centrado dos dois. Ela com a perna direita em cima do sofá, o corpo inclinado para ele de modo tímido e quase invisível, as mãos soltas, os seios firmes e algo mais a fazia ter um caráter despojado e dominador.

Mas qual dos dois iria ceder aos centímetros?

O medo de ambos de se machucarem. O medo do: não alheio, isso era contrastante, junto com a certeza da necessidade das infantis almas postas mais um vez em caminho comum.

Ela esperava o momento certo dele.

Ele esperava a certeza dela.

Eternamente o medo.

Eternamente aquele instante que não sabiam de nada, dos motivos que os moviam até aquilo, das trapaças do destino que com delicadeza sem sentir tropeçavam.

Que sem sentir se amarravam...

Qual dos dois?

Mas qual dos dois iria ceder aos centímetros?

Ele queria sonho, fechou os olhos.

Ela queria sonho, percebeu a recíproca antecipada daquele cara, que sempre antecipava, ejaculava nas preliminares, adivinhava suas dores e desejos, chegava em primeiro lugar em sua alma, até mesmo quando atrasava.

Eles queriam sonhar.

Eles queriam terminar aquele ato indeciso de desconhecidos... na cama, no café da manhã, na caricia após um murmuro, no torcer de nariz, nas brigas, no altar, nos filhos, nos problemas, no amor, nos problemas, em mais amor, na velhice, no cansaço, no orgulho, na felicidade, nas brigas, nos gozos, nos acidentes, nas sortes, na vida, na doação de suas mortes...

Mas ela esperava o momento certo dele.

E ele esperava a certeza dela...



By Camila Passatuto

sábado, 21 de agosto de 2010

Marinheiro

O mar; amaldiçoado mar.
Das ondas traiçoeiras,
Das mortes,
Das perdas.

Sua imensidão não me cativa,
Não emociona,
Não me convida,
Fala-te, sussurro infernal.

Mar que invade meus sonhos.
Faz-me afogar, mar que entra,
Mar que sai, mar que é tormenta.
Mar que só traz a vontade de chorar.

Seus peixes não me alimentam,
Suas ondas só em quebra-peito.
Seu azul estonteia.
O que em ti reluz é alma fagueira

O mar que estranha,
Faz amores, ondeia paixões.
O mar que repete o linguajar, chuá
É o mesmo mar que me faz chorar...

Amaldiçoada vastidão em ti.
Seduz quem pode,
Leva para longe, leva.
Esconde meus botes.

Não navego, não velejo,
Não viajo em tua bravura.
Teu mistério se revela
Cúmplice de minha sepultura...

By Camila Passatuto

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Rei

Em meio aos bosques, procuro e não sei por onde anda a doce felicidade. Em mim, o que move, remove e comove quem vê, é apenas um vento frio que ocupa meu ser em dias constantes de penar.

O sorriso que trago, no estreito rosto, é singelo mistério, ninguém percebe...

E por entre apostas majestosas o meu corpo se lança, o riso sai fácil, a bebida entra lenta e amarga como a velocidade que me esquenta. Tudo tão irreal.

Nunca fingi tão bem.

Depois que partiste me tornei algo ruim, ruim para mim, ruim para a minha sóbria verdade; hoje sou de gosto peculiar para quem deseja provar e cuspir, e redimir em si a vontade do que é bom.

Nada está bem aqui. Não queria que soubesse disso. Não queria que imaginasse a minha dor, pois se imaginar corretamente vai sofrer parte do que sofro.

Sofrimento seu aumenta o meu. Desfaz o querer saber em ti.

Em meus aposentos, no meio da gélida madrugada, que conforta os sentimentos dos espectros amigos, esses que percorrem minha mente, meu corpo, minha sanidade doente, minha luxuria fétida, meu humilde presente caído em forças de si... É onde o sono tem medo e foge, é quando olho para dentro e vejo ruínas, lavas borbulhando, seres clamando por compaixão, lágrimas que em contato com o magma faz rocha em meu chão.

Sou isso, louco monstro da torre em transmutação, sem rumo e não só perdido, mas sim desviado a cada insensato torpor de tristeza.

É uma perda constante, sou eu navegante...

Não sei se imploro ajuda, não sei de nada...

Comigo, o sentido do futuro, não anda mais... É minha farsa tentando me convencer, é meu sujo orgulho tentando, de mim, tudo esconder.

Construí esse castelo de proporções amigáveis e com bases sólidas. O governo, que aqui regia, era sincero, com soldados armados de fidelidade e coragem.

Eu ainda possuo o meu reino, os papéis, as dívidas, as guerras... Eu ainda tenho tudo, ainda administro a província abandonada.

Eu ainda sou rei. Ainda decreto amor por aí. Eu ainda não percebi que o conto feliz da Idade Média não é mais aqui...


By Camila Passatuto

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Política, Senhor!

Suspirou. Estava mais que nervoso. Uma multidão esperava mais um daqueles discursos, iguais de qualquer candidato. Mas ele era diferente, ninguém percebia...
Que pena.
Aos passos rasos e confiantes, se colocou diante de todos.
Não havia discurso, não havia mais nada depois de tanta luta; apenas aquela vontade tamanha que poucos iriam entender.
Então, falou firme: Eu amo esse país.
E bastou.

Desconfortou quem não podia, encheu de pavor quem nunca temia.
Suspirou.

Nada queria e de nada adiantaria convencê-lo...
- Amigo, Política é zelo, fama, grana... No bolso de quem engana, na vontade de quem profana.

E de nada adiantaria...
Aquilo que parecia um resto de homem com a mente sã, ou um resto de mente em um homem são...
Não era uma nem outra situação.

E todos pararam. E ele continuou.
Por coisa qualquer para seu país, por aquilo que chamo, firmemente de: Amor.

By Camila Passatuto

terça-feira, 17 de agosto de 2010

É Vida

Por menos que eu pense, é sempre mais.

Por mais que você fuja, é sempre menos;

Menos espaço entre as tais almas, mortais.

Por mim e por nós, nada embaça, alivia...


Meninos que almejam um troco, esquina.

Velhos que se bebem em garrafas. Espia.

Tudo plenamente certo, no errado, é vida.

Respiro essa angústia somente por mim...


É vida que não cala o meu horror a tudo,

Por você e seus dejeitos de ancorar, sim.

Em mim se fez cicatriz, fui porto, fui sim.

Por mim e por nós, quem dispara emoção?


Senhores de cartolas bem postas na cabeça,

Senhoras em vestidos cúmplices de nobreza.

Suspiro a maldição que vem em brisa, ria.

E tudo plenamente certo, no errado de

nossas vidas.


By Camila Passatuto

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sobre

Não basta sentar e digitar, porque isso não faz o menor sentido. Palavras perdidas em sombras narcisas. Não.
E pensar no ritmo, tão falado, tão temido
Não sei se falo o que penso ou invento algo logaritimando, rimando, inventando...
O que a certeza me consome, ou nutri, é o querer, o implorar de desejos, o não caber-se em si, é o ato, é o que demais volátil há... Não materializo palavras, nem quero...
Pelo passo que caminha cada vida de meu dia, de minh’alma, um tanto achada, outro tanto esquecida, por isso e por mais nada, havendo posse de meios... Ah, musa, eu escrevo.
Verbalizo e nomeio, no canto de qualquer papel, qualquer vontade, qualquer fina saudade.
Que salve, que mate, que realce em nós, humanos, o mais simples desfalque que faz um mar em centímetros rolar na face lânguida de um perdido leitor, antes mesmo, escritor.
Se já basta é porque nunca foi escassa a tal poesia que todo dia o poeta, doente de palavra, caça.
Não basta sentar e digitar... Porque o que o universo pede é coisa grande, pede é coisa da alma de gente simples, que chora e resmunga, como qualquer outra, só que por motivos casuais nasceu com um karma a mais na vida, que é se refazer em poesia.

By Camila Passatuto

domingo, 8 de agosto de 2010

Ladino de rua

Andei pelas ruas

Já descrevendo,

Já escondendo,

Ouvi histórias.


Velhos sorrindo.

Novos, não mais,

Sabe-se lá como,

Reagindo.


Um enredo falso

Cantarolei aqui.

O sol quente

E Cartola, sorri.


Andei mais ali

Entrei em igreja

Sai feliz de bar

Senti certeza.


E de vida vazia

Não morrerei.

Ando triste,

Mas ando, sou rei.


Roça, mar, deserto,

Cidade...

Com ou sem amor

Por perto.


Andarei longe

Sem futuro

Sem medo,

No escuro...


Procurando

Sem achar

Palavra,

Verbo. Amar.


Andarei com você

No pensamento,

No livreto...

Ah! Livramento.


Pelas ruas, ando,

Conheço o sofrer...

Felicidade aqui

Por poder, isso, escrever...



By Camila Passatuto

domingo, 1 de agosto de 2010

Pula

Amigo, por onde anda agora?
Falaram que não mais, não...
Não parte da poesia da vida
Amigo, por onde cai tua alma?

E dos versos matinais, urbanos,
Fora de leis conscientes...
Foi o primeiro poeta que conheci.
E de nossa infância... O que foi que esqueci?

Dos litros que se fumou, delírios.
Das gírias que ninguém prevê.
Dos rumos estranhos,
Eu me salvei... E você?

Falaram que se fez anjo,
Pulou da ponte mais alta.
Sentiu o que poetizamos,
Distintamente... se fez alma.

Hoje a rua perdeu seu dono.
Ora marginal ora intelectual.
A polícia te temia.
O vagabundo te enaltecia.

É, meu amigo, se foi...
D'onde foi que tomou coragem?
Para uns é marginal
Para outros; capa de jornal.

Alguma outra droga fácil
Envolveu teu corpo, eu sei.
Não mais covarde. Pula!
Parte em paz, sem vida futura.

(Em memória de Guilherme França)

By Camila Passatuto